quarta-feira, 7 de dezembro de 2011


  Encanta-me o sentido de "humor" de Deus!


Foto: Autor desconhecido


"O Verão não parava de aparecer insistentemente por aí. A insinuar-se sem rodeios e a envolvê-los por todos os lados, de cima a baixo…  definitivamente a expor-se. E depois de se fazer anunciar, gabava-se à descarada diante de quem quer que estivesse, sem que isso o parecesse sequer incomodar. E talvez por isso é que se sentia que sobravam mais horas de tempo, outra vez… e mais dia, também. E a noite… essa, quando surgia com as suas formas pouco claras, já ninguém se importava, ou mesmo se ralava com isso.
A todos era dado a perceber que havia mais vagar para a vida e para a imprevisibilidade das coisas que com ela faziam questão de vir. E na verdade, o tempo ficava bem diferente, com outro ar. E era assim, quando chegavam os dias enormes e soalheiros daqueles tempos levemente perfumados, típico dos dias enormes de Verão.
Algumas vezes, quando o tempo e o momento e sobretudo a alma estavam para isso, sob o jeito protector de uma fogueira já em braseiro ou então simplesmente com o céu estrelado a surpreendê-los por cima, falava CA dos seus tempos idos. E com um olhar vago e distante começava a contar-lhes algumas coisas, antigas... Quando o caminho o fazia passar pela aldeia e resolvia que pelo menos uns dias era para ficar e então logo numa correria se punha e se agarrava ao corrimão de madeira, daquela casa imensa que ao alto se erguia. E então, por aqueles degraus quase a pique voava ao encontro do andar que estava por cima e entrava… silenciosamente, devagar. Já na pequena sala cheia de todos sentava-se junto com aquela janela antiga de guilhotina, numa das paredes viradas ao sol. Desde a última vez, já tinha saltado mais um pedacinho de tinta branca. De vez em quando caía seca, de velha…
Já debruçado sobre a velha janela de ombreira cor de céu combinavam e acertavam-se a dois, no tempo e no olhar. E era então em silêncio que se surpreendiam com o ininterrupto e delicioso esvoaçar das andorinhas.  Se lhes pedissem para se decidirem por uma palavra apenas, seria sublime! Sem dúvida, a palavra certa perante tamanha visão. Depois cerravam os olhos em fileiras… e olhavam-nas demoradamente. Às vezes, passava-lhes pela cabeça, como seria bom poder agarrá-las para depois lhe tocar e ver de perto, olhos nos olhos… mas isso era impossível! Até então, nunca ninguém se tinha ousado a tal pretensão.
Mas que alvoroço inexplicável… e tão admirável. Parecia que faziam para ser de propósito, para que todos as vissem e depois se falasse nisso… em tamanha proeza. Dava até a ideia que assim se punham só por ser bom, ouvia-se por vezes dizer. E também por nunca se cansarem, por nunca quererem desistir. E era talvez por isso que, se calhar, jamais haveria alguém que se sentisse capaz de as conseguir fazer parar… para as poder então agarrar, na alvoroço inexplicável, as andorinhas...
Que teimosia imensa, que obstinação. E nem sinais davam de se importarem, mesmo quando ao fundo, os dois enormes sinos da torre sineira da igreja, repicavam à vez de alinho com as horas de fim de tarde de um dia e de um tempo, suavemente diferentes e perfumados… de Verão.
— Como foram bons e perfeitos, dizia quando contava tais coisas, velhas e antigas. Aqueles dias de Verão em São Vicente. Foram os melhores dias de sempre, naqueles tempos de memórias idas… e eternamente perfumadas de Verão."


* Pedro Saraiva - texto - (Excerto do livro:  "Campo de Verão")

Nota: Este post foi criado na integra pelo Pedro, meu irmão:)



12 comentários :

João Menéres disse...

Um abraço para o teu irmão e um beijo para a irmã dele ( a Rute ) por terem conjugado na perfeição, uma imagem única com um texto belíssimo.

Remus disse...

Até estava a pensar que a fotografia era sua. É que ela é mesmo genial. Um clique no momento certo. :-)

E porque é que o Pedro não cria um blogue para ele, em vez de andar a "invadir" o blogue dos outros? :-P

Rui Pires - Olhar d'Ouro disse...

Parabéns ao Pedro por esse magnifico excerto e gostei também imenso de essa foto... um sonho!!!

Bjs

mfc disse...

A nostalgia e um sorriso... normalmente ligam bem, tal como aqui aconteceu.
Parabéns aos dois e um beijinho para ti.

Fábio Martins disse...

É um belo texto. O teu irmão sentia-se inspirado com certeza. Um beijo para ti Rute e um abraço ao teu irmão Pedro

Rute disse...

João

Muito obrigada, eu entrego o abraço ao meu irmão e o meu beijo, esse já o recebi:))

1 beijinho:)

Rute disse...

Remus

...acho que nunca vou apanhar um momento destes para fotografar...

O Pedro tem um blogue e tu até já deixaste lá uns comentários...ai essa memória! " Rastos e rostos de portugal". Já te lembras? anda é em 'banho maria'...

1 beijo:)

Rute disse...

Rui

Obrigada em nome dele:))

1 beijo:)

Rute disse...

mfc

'A nostalgia e um sorriso ligam bem'!...é verdade e nunca me tinha ocorrido...obrigada por mais esta:))

* Obrigada

1 beijo:)

Rute disse...

Obrigada, FÁBIO...vou distribuir o beijo e o abraço entre nós e vamos lá a ver se não me engano;)

1 beijo para ti:))

Sérgio Pontes disse...

Sempre gostei muito dessa foto. Beijinhos

Remus disse...

Como quer que me lembre de coisas que não são actualizadas à sete meses.
Em internet, sete meses é uma eternidade...
:-)

Mas ele até tem muito jeito para a fotógrafo. Pelo menos tem o dom da "visão fotográfica".