domingo, 20 de fevereiro de 2011


Carta (Esboço)

"Lembro-me agora que tenho de marcar um
...encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação ;
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros"

Nuno Júdice


10 comentários :

João Menéres disse...

Confesso que não apanhei nenhuma desilusão, mas pensava que as palavras eram tuas...
Eque vontade tinha eu de te estudar para te declamar à João Vilarett !

Um beijo.

Rute disse...

João

Acredito que tenha mesmo apanhado uma desilusão...quem me dera escrever assim tão bem :)

1 beijo :)

João Menéres disse...

Coisa nenhuma !
Tu escreves tão bem, tão poeticamente, que eu pensei que fosse teu.
E, se fosse, como pensava, iria trabalhar para te DIZER.

Não precisas de mim para seres elogiada pela forma e com o conteúdo que pões noque é teu.

Um beijo( a meio da noite porqueacordei com uma alergia).

Helder Ferreira disse...

Eu pelo que já li nos posts anteriores, as palavras bem podiam ter sido tuas. :)
Uma foto bonita de fim de dia e um excelente poema a acompanhar... fecha-se o dia, fecha-se a porta.. amanhã é outro dia. ;)

Rute disse...

João

Mais uma vez lhe agradeço...
Espero que essa alergia inoportuna já tenha sido debelada :)

1 beijinho

Rute disse...

Helder

...e cá estou eu de novo...já no outro dia ;)

Guida Palhota disse...

Há alturas na vida em que, por razões diversas, certas palavras ou expressões nos tocam de uma forma especial e intensa.
Hoje, que vivo a véspera da quinta entrada no bloco operatório em apenas três anos, estou invulgarmente sensível e insegura, o que me leva a agarrar o ensejo que a sequência "Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo" me oferece para te dizer o que gostaria que não ficasse por dizer: 'um encontro contigo', não limitado no tempo, é algo que desejo há tanto tempo que já mal consigo quantificá-lo. E desconfio bem que me iria fazer um bem incomensurável.

Deixo-te um beijo,
imensamente saudoso dos tempos antigos

Rute disse...

Guida

Sei que vai correr tudo bem! Acredita nisso, como sempre acreditaste. O nosso encontro fica já aqui marcado, para quando regressares com vontade para conversas e velhas amigas, ou amigas velhas ;).

1 abraço apertadinho e até já...

Remus disse...

Qual dos barquinhos é o seu?
É aquele que tem o maior mastro ou aquele que é mais largo?
:-)


Para não dizer que agora já não ligo. Noto que a fotografia está com a linha do horizonte direitinha e o ruído é inexistente.
Uma fotografias com umas tonalidades, quentes, apelativas e afáveis.
Parabéns.

Rute disse...

Remus

...já estou a aprender qualquer coisita ;)...

Quanto ao barco...quem me dera...qualquer um deles...se me saísse o euro-milhões...se eu jogasse, claro...

1 beijo :)