Era uma vez um príncipe muito belo que vivia num Castelo muito grande, num país muito distante, lá para os lados da "Terra do Nunca". Em redor do Castelo, havia crescido uma vasta e espessa vegetação que o impedia de ter qualquer tipo de contacto com o mundo exterior, sendo que as únicas pessoas que conhecia eram os criados, a cozinheira gorda e o velho jardineiro que, aliás, o tratavam como se filho deles se tratasse. ...
Anos antes, os reis haviam sido expulsos do Reino por terem desviado dinheiro dos contribuintes, que serviria para cuidar da conservação do Castelo, em viagens ao México e em hedge funds tóxicos.
Assim, o príncipe, com apenas cinco anos, vê-se deixado para trás por uns pais egoístas e sem sentido de Estado. A cuidar do jovem herdeiro fica Miranda, a governanta do Castelo, com todas as habilitações e certificações para formar o príncipe e torná-lo um digno rei. Miranda é coadjuvada pelos mais sábios do reino, e por Maria Albertina, a cozinheira, também ela uma excelente mãe e habituada a lidar com as traquinices próprias da tenra idade.
Porém, nem tudo são rosas, o "Mal Necessário", alcunha atribuída ao mago do Reino, sentindo que no príncipe recaem todas as esperanças de um futuro próspero para o Reino, decide conjurar e fazer nascer um espesso manto de vegetação que o proteja até ao dia da sua maioridade, altura em que a sua formação estará completa e o próprio capaz de se defender sozinho.
Assim, a sua educação decorre resguardada de interferências externas, em especial dos seus pais, que por vezes se ouve ameaçarem regressar em surdina para influenciar negativamente o futuro Rei, inclusive tentando convencê-lo a deixá-los regressar e permanecer a seu lado.
E assim foi, durante todos os anos até à sua maioridade, o príncipe teve no Grande Castelo o seu mundo, e no pessoal a sua família, enquanto completava a sua formação.
O velho jardineiro, que mais não era do que o mago, zelava assim pela segurança do espesso manto que protegia o Castelo e por conseguinte, o Príncipe.
O velho jardineiro-mago era um antigo seringueiro da selva amazónica, especialista em esquartejar troncos para lhes extrair a seiva, que conseguira, após anos de cruzamentos e enxertias, criar um híbrido, síntese de seringueira e sebe comum, com que povoara as redondezas do Castelo. Esta nova espécie vegetal, além de assegurar plena e satisfatoriamente a segura ocultação casulo de pedra onde se procedia à metamorfose do príncipe em rei, tinha a particularidade de prender, qual teia, todo e qualquer intruso, do mais pequeno roedor ao mais corpulento urso pardo, o que se revelara fundamental para a subsistência de quem vivia emparedado no Castelo.
A transformação das presas em requintadíssimos acepipes era, naturalmente, da responsabilidade da cozinheira gorda, mulher dotada de uma excelente mão para o tempero, a qual lhe provinha da larga experiência obtida a bordo do transatlântico Apóstolo das Índias, que longos anos cruzou o Índico e o Pacífico, até ter naufragado ao largo da Nova Guiné, onde Maria Albertina foi recolhida por uma tribo indígena e iniciada nas artes da culinária antropofágica.
Também à mesa do príncipe era servida carne humana, mas esse facto só era do conhecimento da própria cozinheira e do velho mago-jardineiro, que adorava estes pitéus – vício que lhe tinha sido incutido pelos encolhedores de cabeças com quem vivera no Brasil.
É verdade! Não só ao jovem príncipe estava vedado o conhecimento extra muros, como estes seus dois servos o estavam preparando para, um dia, devorar a humanidade.
A vida do príncipe decorria, portanto, dentro de uma normalidade muito particular. Não se sabe se pelo isolamento se pela dieta, o seu comportamento era um pouco sui generis. Com efeito, quando não estava ocupado com os seus afazeres de jovem aprendiz das artes e das letras, pegava num banco, daqueles a que os aldeãos chamam mocho, e sentava-se virado para um dos cantos do compartimento em que se encontrasse.
Enquanto o príncipe se encantava, o mundo parecia parar.
E parava de facto. Cada vez que o príncipe se sentava num daqueles bancos, deixando-se encantar perdidamente… todos os habitantes do castelo se transformavam em estátuas de pedra fria e gélida, figuras tenebrosas que deixavam de poder interagir… mas que mesmo assim deambulavam-se no mal.
Cada canto possuía uma voz já identificada pelo príncipe, e a cada voz correspondia uma figura, que só os seus olhos conseguiam ver. Num dos cantos, a voz de um velho sem braços, a quem o príncipe pedia gestos impossíveis de receber… noutro canto, a voz de um bêbado de quem o príncipe ouvia palavras abandonadas e outras mil de rir e chorar por mais… noutro canto, a voz de uma mulher sem dentes que prometia conversas de escárnio e mal dizer… noutro canto ainda, um coveiro que lhe mostrava quantos corpos depois de enterrados já tinha ajudado a acordar… mas o seu canto preferido e o ultimo escolhido sempre que se sentava, era o canto da voz de uma sereia… este canto era azul e cheio de mar, e apesar de meio corpo de mulher, era a outra metade imaginada, a que o príncipe mais dava ouvidos… esta voz de sereia segredava os pecados do fundo do mar e confessava-lhe com a voz em segredo, os desejos secretos da outra metade do seu corpo… o encantamento do príncipe era cada vez maior e o seu maior desejo era entrar no mar levado por esta voz de sereia…
D. Leonor ergueu-se de um pulo, tentando, com trejeitos apressados de mãos, desembaraçar-se do enredo escabroso que envolvia Zé Pedro, o plebeu seu noivo.
Da janela do quarto, alcantilado sobre a vila de Certas Dores, conseguia avistar o relógio da torre sineira (que marcava 3:45h da manhã), o qual, ainda há bem pouco tempo ganhara a sua carta de alforria para a vida nocturna e, todas as noites, ostentava, orgulhoso, o novo neon com que aquecia a imagem gelada das neves doreenses.
D. Leonor estivera, na quinzena anterior, no consultório do Dr. Henrique Nobre Feyo, procurando ajuda psicológica para a convivência com a relutância de seus pais relativamente ao seu casamento com Zé Pedro. Mas Nobre Feyo, instruído pela família real, havia usado de destreza argumentativa para anuviar a mente da jovem princesa e receitara-lhe um estabilizador de humor que a mantinha docemente dormente, apática e indiferente perante as decisões e opiniões que bailavam à sua volta e a seu respeito.
Agora, arrancada do descanso da noite por um pesadelo que transformava o seu amado Zé Pedro em príncipe e o mantinha refém de uma mente transtornada por gente hedionda, como a cozinheira gorda e o jardineiro mago, teve o imediato impulso de ligar ao seu amado, para se certificar de que de nada mais do que um sonho se tratava todo aquele horror existencial.
Pensava, contudo, no significado do próprio sonho, enquanto premia com segurança as teclas do seu Suzokiatel E 09, da última geração. Quereria tudo dizer que Zé Pedro não poderia nunca ser seu, apesar de ambos se desejarem ardentemente?
Zé Pedro atendeu ensonado, mas soube cumprir a instrução que recebera dos reis, cumprimento esse pelo qual lhe depositariam a recompensa de dois milhões e quinhentos mil euros: fingiu que não conhecia a voz da sua amada, a qual insistiu, intrigada e destroçada, para que ele a nomeasse - até ao momento em que Zé Pedro desligou.
D. Leonor caiu de novo no seu leito, desfeita em lágrimas confusas que lhe encharcaram toda a roupa da cama e lhe arrefeceram o corpo até aos ossos.
Zé Pedro era um jovem pintor de rua que há pouco tempo conseguira expor alguns dos seus quadros numa galeria onde D. Leonor passara uma tarde com amigas.
Encantada pelos longos cabelos lisos e castanhos aveludados de Zé Pedro e mais ainda pela sua figura bela e escultural, D. Leonor fez questão de adquirir uma obra sua e, com ela, ornamentar o seu quarto, gesto que em nada agradou a seus pais, apesar de nem terem tido conhecimento da quente troca de olhares que, nesse dia, iniciou a relação entre os jovens...
Foi uma história de encantar aquela que os dois foram vivendo, até declararem aos pais da princesa a intenção de se unirem.
Para D. Leonor estava destinado D. Ruy de Aguiar e Castro, da alta aristocracia doreense, um enfadonho economista que todos os dias presenteava D. Leonor com fartos ramos de flores de intensos cheiros, que deixavam a donzela tão enjoada quanto as suas intermináveis juras de amor eterno que acompanhavam os "bouquets".
D. Leonor acordou de vez e conseguiu um estado de lucidez que superou todos os "anestesiantes" que andava a ingerir para lhe toldarem o entendimento.
Levantou-se, firmou bem os pés no chão dos seus aposentos sem sequer se calçar, puxou, violentamente e com estrago, o seu roupão de seda do cabide, e galopou, determinada, pelos corredores que a separavam do quarto dos pais.
Os reis haviam voltado a fazer das suas.
Não obstante a pujança do verde manto de seringueira híbrida consabidamente forte, virtualmente impenetrável e muito bem visto pela população em geral, por conter a palavra "híbrida", apenas deixando entrar quem autorizado pelo mago, qual Titanic, cinco dos porões do Castelo tinham sido escavados pelos próprios reis, munidos da ajuda de Dias Loureiro, que não sabia onde se meter e aproveitou a ocasião, e ainda de dois baldes de liga leve e uma enxada que os Gaiteiros de Lisboa não tinham encontrado por debaixo da baliza do Manchester United.
Os reis estavam de volta, apesar de todos os esforços do mago. Esperaram até ao anoitecer, altura em que todos habitualmente se juntavam para jogar aos dardos, e dirigiram-se sorrateiramente até aos aposentos do príncipe.
O príncipe não apreciava jogar aos dardos, preferindo antes dedicar-se à pintura de sereias, inspirado pela sua amada, e pelo facto de o reino ser uma grande ilha rodeada de água por todos os lados.
A sensibilidade humana e artística do príncipe não era portanto consentânea com a barbaridade que o pessoal do Castelo tinha arranjado para se entreter à noite. Especialmente porque os alvos costumavam ser as Lampyris noctiluca, que se aglomeravam no relógio da torre sineira, num inusitado acto de chamamento dos machos pela noite fora, o que naturalmente perturbava o sono de todos na cidade.
Como em relação a muitas outras coisas no reino, o mago era o mentor da modalidade do jogo dos dardos, mas desta feita por um motivo que o envergonhava: era a única forma que conhecia de acabar com a única experiência que lhe tinha corrido mal. Nunca mais iria esquecer o dia em que, justamente nos húmidos porões do Castelo, criou o pirilampo 'mágico'.
Chegados aos aposentos do príncipe, e após surpresa e apreensão inicial, surge a oferta de uma avultada quantia, tendo em mente que Zé Pedro deixasse a sua amada. Zé Pedro decidiu que era de aceitar, num acto que julgara bem reflectido, mas que seus pais não haviam percebido. O dinheiro serviria para reforçar a segurança do castelo e conseguir, de uma vez por todas, impedir que os reis voltassem a entrar. O príncipe julgava estar assim a passar o seu primeiro grande teste. A sua formação ainda não estava completa, mas estava quase, e este seria, no entendimento do príncipe, um passo decisivo.
Mas havia um "mas": Dias Loureiro também era mago e a presença dele tinha afinal dois propósitos: olhando para as paredes dos aposentos, Dias Loureiro conseguiu ver que havia um terrível segredo que o príncipe guardava. O mago não tinha competência para ver qual era exactamente o segredo - estava com os poderes sujos de ter andado de balde no túnel, mas a mera ameaça conseguiu convencer o ainda tenro príncipe. Se não aceitasse o dinheiro sem segundas intenções, o segredo seria revelado.
Ainda mal os reis tinham desaparecido, surge a D. Leonor, escoltada por noventa Eletaikozus, os assim denominados guardas do castelo, protectores do príncipe e da sua amada, nas deslocações de ambos, servindo igualmente de veículo de transmissão das mensagens escritas entre a casa onde ainda habitava a amada, fora das muralhas verdejantes do castelo, e o príncipe.
Nesse momento, Calíope acordou do sono profundo em que se deixara cair, estendida no seu etéreo coxim, e apercebeu-se de que, por acção do tórrido calor que se fazia sentir na Trácia, duas das suas tabuinhas de cera se haviam fundido, dando lugar à confluência e à aglutinação de duas histórias. Com extremo cuidado, pegou no estilete e pacientemente foi separando as ceras das duas tábuas, tarefa que apenas se tornou um pouco menos árdua por aquelas massas terem sido produzidas por diferentes estirpes de operárias ceríferas, o que lhes dava tonalidades ligeiramente diferentes.
Enquanto executava esta delicada operação, questionava-se sobre as consequências deste seu lamentável descuido. Teriam os sempre ávidos leitores começado já a ler estes dois enredos, ainda inéditos porque ao seu cuidado? O que fazer agora? Não é permitido, nem às musas, modificar a vida já vivida. Terminada a cisão, estava tomada a decisão. Continuar uma e outra, alternadamente, até poderem de novo encontrar-se e, então, efectivamente, fundir-se.
Sentado no mocho e encantado no vértice do seu quarto em que havia sido recortada, na muralha do torreão, uma fenestra ogival, o príncipe observava a paisagem que se estendia verde e parda até ao longínquo mas nitidamente visível mar, que lhe limitava a linha do horizonte.
Nunca tinha estado mais próximo do mar do que isto. E era lá que sabia estar a sereia que o encantara tantas vezes noutro vértice das suas câmaras. Por que razão estava ele confinado aos muros daquele castro? Nunca lho haviam claramente explicado. Nunca o tinha inequivocamente percebido. Também nunca o tinha verdadeiramente limitado até ter começado a desejar estar perto da sua sereia. Ela, em sonhos, podia vir até ele, acariciar-lhe os cabelos e beijar-lhe os lábios, deixando-lhe um aroma forte e perfumado a envolvê-lo durante algumas horas, até se dissipar e dele apenas restarem umas gotículas na memória. Mas a ele não era permitido sequer aproximar-se um pouco que fosse dela. O príncipe nunca poderia visitar a sereia no seu mundo, sem colocar em risco a própria vida dela.
E só um grande amor poderia sobreviver nos limites desenhados pela água e pela terra. De noite, a possibilidade de amar era clara pela vontade crescente dos desejos carnais, mas de dia, o mar erguia na luz a mais dolorosa barreira de uma possível aproximação, e era às claras que o sofrimento terreiro matava a alma indefesa dos sentidos. A barreira crescente deste amor impossível era o verdadeiro desafio à morte, e mesmo pondo em risco a vida da sua amada, o príncipe teimou em exaltar a sua paixão, escrevendo músicas que prometera cantar. Todas as noites, no cimo daquela encosta, a voz do príncipe despia-se no corpo da sua amada. Nus, juravam em verso e prosa a possibilidade do amor, mas sem darem por tal, eram violentamente desafiados pelos olhares escondidos de Miranda e Maria Albertina, que da colina mais alta da praia espiavam o pecado invejando não o terem nunca vivido. As palavras cantadas descreviam o que as mãos desenhavam nos corpos deitados na areia, espaço neutro onde os amantes se entregavam escondidos e revelados às colinas da terra. O mar era o espelho onde as palavras musicadas abrigavam os corpos de quem, mesmo correndo o risco da morte, jamais temia o amor. Sucederam-se os dias e as músicas, e os poemas impossíveis entre o mar e a terra, até que um dia… a dor feroz de quem não suportava assistir ao amor, fez com que Miranda e Maria Albertina interrompessem a musicalidade das palavras e com a ajuda do jardineiro, o mago do reino, silenciaram o mar, deixando apenas audível as pedras mais altas das colinas…
As frias lajes de granito, verdadeiramente geladas naquela noite invernosa mas infernal, queimavam os pés nus de D. Leonor, que, incapaz de suportar em silêncio o seu sofrimento, acordou, com os seus gemidos, a sua aia, Sibila.Adivinhando o que acontecera, Sibila apressou-se a detê-la e a acalmá-la, antes que se cumprisse o infortúnio de os reis ficarem a conhecer o conteúdo do sonho da princesa e, por isso, a obrigassem a cativeiro.Sibila, famosa pelos seus poderes de previsão do futuro, fora escolhida, no reino vizinho, pelos monarcas de Certas Dores, para dama de companhia e controlo de todos os passos de D. Leonor. E Sibila era fiel ao pacto feito com os reis, o qual incluía a protecção absoluta de um segredo mantido entre as duas famílias reais dos dois reinos contíguos.Desta feita, porém, Sibila soube que nenhuma força havia de conseguir deter a impetuosidade da princesa, pressentiu que o amor da sua menina por Zé Pedro lhe acendia todas as luzes inspiradoras, oferecendo-lhe o ânimo necessário a vencer qualquer guerra que lhe declarassem para que se afastasse do seu amado.Não precisando de pensar por muito tempo, Sibila apresentou-se nos aposentos de D. Leonor, que, de novo descansava serenamente - por acção das calmantes palavras da sua aia -, e, carinhosamente, acordou-a, para lhe contar uma história.
- Era uma vez - começou, segura de estar a praticar um acto de caridade - três pequenos seres que viviam aconchegados no ventre de sua mãe, sem que ninguém desconfiasse sequer da existência de mais do que um deles nesse meio aquoso favorável ao bem-estar físico e psicológico, o qual, naquele tempo, era ainda insondável pelos de fora.Seus pais eram reis do próspero reino de Terra do Nunca, no qual a população admirava os seus soberanos e, por aquela altura, aguardava com ansiedade a chegada do príncipe, que seria herdeiro do trono.Um dia, por alturas do sol poente, que, como de costume, pintava a vidraça dos aposentos reais com tons de encandear e enfeitiçar, sentiu a rainha a chegada da hora da separação física do seu fruto e mandou chamar a médica parteira, que acorreu ao palácio na sua maior aceleração de sempre, por entre as numerosas filas de trânsito que teve de vencer até muito próximo das imediações do paço real. Bendita Vespa, que em boa hora adquirira, para poder furar as horas de ponta.
O rei, ausente, numa visita de estado, não pôde partilhar o momento com a sua consorte e foi Benvinda, a parteira veloz, quem, depois de se assegurar de que se munira de todos os apetrechos e todas as condições necessárias ao sucesso da vinda ao mundo do novo príncipe, ajudou, sozinha, os três pequenos seres a deslizarem do ventre da mãe até às suas mãos, uma e outra vez espantadas pela tripla dádiva divina.A rainha dera à luz dois rapazes idênticos e uma menina.Maravilhadas, as duas mulheres beijaram-se emocionadamente, mas, depressa se aperceberam de que havia algo mais a fazer.
E, de modo atrapalhado mas com o respeito que a rainha lhe merecia, Benvinda lembrou sua alteza real de que, neste vizinho reino de Certas Dores, a rainha, sua amiga, há vários anos tentava engravidar, sem, contudo, ter ainda conseguido essa alegria, para si mesma, para o seu rei, para o seu povo. E atreveu-se ainda a insinuar que ela própria, Benvinda, mulher avessa a homens, gostaria de criar uma criança como seu filho.Cansada dos três partos consecutivos, naquele tempo realizados sem qualquer anestesia, a rainha, com um dos rapazes ao colo, olhou para o berço onde havia sido deitada a menina - a primeira a nascer - e declarou a Benvinda:
- Esse meu filho, que tens tu nos braços, será, de agora em diante, o teu filho, a quem tu darás um nome; a menina chamar-se-á Leonor e será entregue aos cuidados daqueles que hão-se ser meus compadres, os reis de Certas Dores. Este é o meu príncipe, D. Duarte.
D.Leonor não entende o que acaba de ouvir, a sua pobre cabeça não consegue assimilar as perturbadoras revelações que a sua aia Sibila lhe acaba de fazer. Após um esforço sobre-humano para ligar todos os factos ali revelados, a única coisa que a pobre criatura consegue entender e que a atinge no peito como uma punhalada de adaga, é que o seu adorado Zé Pedro é seu irmão, sangue do seu sangue, ambos gerados pelos mesmos pais e nascidos do mesmo ventre. Irmãos e amantes!
A infeliz princesa não resistiu a tão hedionda revelação e decorridos, não mais que cinco, sete minutos, é acometida por uma espécie de convulsão que a deixa num estado catatónico e no qual permaneceu, ninguém sabe ao certo, por quanto tempo. Terão sido dias, meses ou anos?
Nenhum dos habitantes do Reino de certas Dores, nem mesmo do Reino vizinho da Terra do Nunca, o pode dizer com propriedade porque, estranhamente, no preciso momento em que D.Leonor perde os sentidos e as forças e se queda paralizada, todos eles se imobilizam, igualmente hirtos e assim permanecem num estranho estado de agradável torpor acompanhado de sensação de formigueiro.
Nunca, jamais, em tempo algum, semelhante fenómeno houvera ocorrido noutros reinos. No entanto, reza a lenda, que muitos, muitos anos atrás, num local ainda mais distante, houve uma certa princesa que dormiu Cem Anos! Mas também aqui, a verdade dos factos nunca chegou a ser apurada e tudo ficou no segredo dos Deuses.
Com estes ficou também guardado o Segredo do que se passou efectivamente nos Reinos da Terra do Nunca e de Certas Dores e daquilo que se passou realmente com os três príncipes gémeos, os reis seus pais e restantes habitantes das imediações.
Porém, nem mesmo os Deuses tudo podem e, O Segredo foi-lhes roubado numa noite em que tinham ido à Pesca do Atum e se haviam esquecido de guardar “Os Segredos” a sete chaves, antes de zarparem para o Mar.
Atentos a todos os passos dos Divinos, o “Mal Necessário”, Mago-Jardineiro do Reino da Terra do Nunca, coadjuvado por Miranda, a Governanta do Castelo e por Benvinda, a parteira avessa a homens, mal se apercebem do descuido dos Deuses, lançam-se numa busca desenfreada do Segredo.
Na verdade, os três haviam conseguido escapar ao encantamento que se havia abatido sobre todos os outros habitantes dos dois Reinos, porque possuíam algumas características escabrosas que os tornavam intocáveis e não susceptíveis de serem “encantados” por nada nem por ninguém.
Após prolongada busca no Olímpo, sem qualquer tipo de resultados, desalentados, resolvem desistir. Faziam já o caminho de regresso quando Miranda, por descargo de consciência resolve voltar atrás e fazer uma última tentativa na tão famosa Caixa de Pandora. Bingo! Era lá que os Deuses haviam, negligentemente guardado parte do Segredo dos Reinos da Terra do Nunca e de Certas Dores.
Assim é pois revelado, parte dos destinos dos habitantes daquelas paragens,
e foi assim que se ficou a saber que todos eles permaneceram eternamente naquele estado de torpor e total inconsciência que os ilibava de qualquer espécie de sentimento de culpa. D. Leonor e Zé Pedro puderam por fim viver plenamente o seu amor, num total estado de encantamento e deleite. O sentimento que os unia era sublime, não tinham memórias nem lembranças e apenas existiam um para o outro. Não tinham fome ou sede, alimentando-se apenas um do outro, viveram assim felizes, até ao fim dos tempos.
D.Duarte, o Príncipe cativo, consegui também ele alcançar a liberdade transpondo o espesso manto de vegetação criado muitos anos antes, pelo “Mal Necessário”.
Igualmente atingido pelo estado de inconsciência e encantamento a que todos haviam sido sujeitos, ganha asas mesmo sem ter ingerido Red Bull e, tomado de uma enorme felicidade, lança-se ao mar, procurando ardentemente a sua muito sonhada e desejada sereia.
Diz-se que o encontro dos dois foi escutado nas profundezas de todos os mares e oceanos e que o canto da bela sereia não mais se deixou de ouvir. Nos dias de lua cheia conseguem ainda hoje ouvir-se risos abafados que, reza a lenda, pertencem aos dois amantes eternamente apaixonados.
Duzentos e vinte e três anos mais tarde, parte desta História de Encantar, foi “cantada” num grande livro com muitos Cantos por um senhor que navegou por aqueles mares e que escutou e se encantou também ele, com o canto da nossa sereia…
Diz, que de todas as mulheres e sereias daquela zona, apenas Benvinda, a parteira, continuou avessa a homens.
FIM
Autores da História : Aníbal Meireles
Vitor
Clarice
Margarida Faro
Rute
12 comentários :
Viva!
A história chegou inteirinha a acompanhar o Verão. E boa que ela ficou. Realmente, eu gosto é do Verão...
E agora? Publicam-na em papel! Eh eh!
Ena! Que belo final!
Ó Rute, por acaso sabes para que lados ficam as terras que aqui referimos? É que parece-me que se consegue por lá qualquer coisa de agradável... Agora, que já sabemos os prós e os contras, íamos para o cantinho dos prós e passávamos lá um belo Verão...
Que dizes?
Beijos a todos os autores e agarrem o Verão, meninos, agarrem o Verão!
Margarida
Gostei imenso de ter escrito esta "História" contigo e com todos os outros colaboradores. Ficou aqui comigo, um bocadinho de cada um.
Acho que até conseguimos fazer uma coisa engraçada :D.
Desde já, deixo aqui os meus agradecimentos a todos.
Beijinhos, muitos
P.S - É verdade, Margarida, acabei por não te responder. Não sei para que lados ficam aquelas terras a que nos referimos, mas basta investigar um bocadinho e vais ver que encontramos! Tenciono passar lá uma semana inteirinha de férias. Queres vir também? ;D
VIVA O VERÃO...
Amiga Rute, não era nada fácil, mas deste-lhe muito bem a volta. Agora só nos resta concorrermos ao próximo concurso literário e ganharmos uma pipa de massa.
Beijos a todos (mesmo aos que não queiram)
Ainda não li, mas irei ler nos próximos dias, Rute!
Só vim dizer que agradeço, não aceito beijos do Vítor! Posso fazer como no IRS e dedicar a uma ISS ? LOL
Aníbal
desculpa lá a minha ignorância, mas o que raio é isso da ISS???!!! É alguma coisa que se coma? ;D
Beijinhos
P.S. Espero que aceites os meus :D . Com o Vítor, entende-te ;D
Rute:
Tenho estado "sem respirar", à espera do "tempo" que alguns autores da nossa história não têm tido... Estou quase a perder fôlego, mas no entretanto ainda consegui digerir algumas "prioridades"... Porque assim é que é e eu lá vou caminhando na estrada que espero levar-me até "Uma Pessoa Melhor".
beijo
Guida
Estás a ironizar... Os autores podem ainda não ter tido vontade de ler a História completa, pode não tratar-se apenas de "falta de tempo", como tu dizes. É assim mesmo amiga, cada qual tem o seu tempo interior e/ou às vezes estamos virados para outras coisas. Temos que nos aceitar assim porque somos todos muito diferentes, isso já deu para ver aqui!
No entanto já encontrei um ponto em comum a todos: O gosto pela leitura e pela escrita.
1 beijinho
Belo desfecho menina Rute, para finalmente termos uma "manta" tecida a várias mãos... esse é o encanto... um pedacinho de cada um, ser depois um lindo pedaço!
Vamos concentrar-nos no que o Vítor disse sobre a "pipa"...:) (quarto comentário deste post)
Rute, quero-te agradecer o convite e desculpa mas só agora consegui juntar as letras olhando para elas de frente...
Beijos a todos (será que o Aníbal também não vai aceitar os meus?:))
Eu a ironizar, menina Rute?! Por quem sois, senhora! Já alguma vez me haveis visto em semelhante alhada?! Nem nunca me atreveria, pois decerto me faltaria de novo a respiração (por conta dos desaforos que receberia) e poderia até ficar-me logo estendida no próprio local. Não, minha linda, ironizar nunca foi comigo!
Iac, iac!
Acabei de ler! Yahoooo! (não é publicidade ao motor de busca)
Muito boa esta história! Como dizia o Vítor noutros Mares, tenho a impressão que vão ter de circular também várias cópias deste pergaminho para os devidos autógrafos!
Margarida, a tua parte está um delírio! A volta que tu lhe deste, cum caneco! LOL
Rute, estás de parabéns, porque além de uma bela anfitriã para os nossos devaneios, fechaste a história com chave de ouro! Vê-se que gostaste de a escrever!
E agora depois desta bela sessão de engraxamento de sandálias ;) (merecidas!), digo-te Rute, e à Clarice (e à Margarida, que os enviou antes da minha tirada) que claro que aceito os beijos! Posso ser muitas coisas, mas parvo não é uma delas :D
Aníbal
Que bom ver-te por aqui! Cheguei a pensar que não voltavas cá mais...
Eu também acho que a nossa "Hitória de Encantar" ficou bastante engraçada e até conseguimos fazer juz ao título :D .
Temos que combinar o tal encontro entre todos os "Contadores de Histórias" para a sessão de autografos.
1 beijinho
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